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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Um adeus a Rosa Lobato de Faria


Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas

Hoje, estranhamente, dei comigo a sentir a falta de Rosa Lobato de Faria, pessoa de quem nunca li uma única linha, e, evidentemente, não vou ler. Se me dissessem que tinha morrido o Saramago, lá soltaria um suspiro, e diria "até que enfim...", e seria pensamento sincero.

Rosa Lobato de Faria era como as casas dos emigrantes, e as sardinheiras penduradas em fachadas tradicionais: não fazia bem, mas também não fazia qualquer mal: era um daqueles à justinha, muito Portugueses, que tinha a grave missão de manter o "kitsch" nacional a funcionar, um pouco como a Santa da Ladeira, as fúrias de Alberto João Jardim, ou as baixas permanentes do Mantorras: olhava-se para a televisão, sorria-se, e pensava-se, "graças a deus, continuamos na mesma", e lá íamos adiante, mergulhar em leituras profundas, como Barthes, Artaud ou Tenesse Williams.

Houve uma fase em que Rosa Lobato de Faria se inclinou para a fruta, e todas as suas letras, "soft", das canções do Festival da Rafeirice RTP falavam de cerejas, e laranjas e tangerinas, ou talvez esteja a exagerar, porque aquilo só me fazia era rir. Ela era uma espécie de Maria de Lurdes Modesto da Literatura, e só mentes malignas é que relacionariam aquela fruta, bem mais sincera e colorida do que a sordidez existencial de Pinto da Costa, com um célebre poema de Cesário Verde, todo ele ambiguidades, e lubricidade polissémica:


"[...]E eu recompunha, por anatomia,
Um novo corpo orgânico, aos bocados.
Achava os tons e as formas. Descobria
Uma cabeça numa melancia,
E nuns repolhos seios injetados.
As azeitonas, que nos dão o azeite,
Negras e unidas, entre verdes folhos,
São tranças dum cabelo que se ajeite;
E os nabos – ossos nus, da cor do leite,
E os cachos de uvas – os rosários de olhos.
Há colos, ombros, bocas, um semblante
Nas posições de certos frutos. E entre
As hortaliças, túmido, fragrante,
Como alguém que tudo aquilo jante,
Surge um melão, que lembrou um ventre.
E, como um feto, enfim, que se dilate,
Vi nos legumes carnes tentadoras,
Sangue na ginja vívida, escarlate,
Bons corações pulsando no tomate
E dedos hirtos, rubros, nas cenouras."

Não há povo, como o nosso, para conotar o vegetal com o sexual, mas a Rosa fazia-o mais distintamente. Tinha aquele eterno ar de tia desativada, mas genuína, nada da sonsice de puta ronhosa da Isabel Alçada, que só me desperta arrastado penar, tédio e despudor. Dizem as línguas compridas que letras para a Dina também incluíam gostos de cama, mas não vou por aí: se fez gajas, fez muito bem, porque o que é bom é para consumir.
Olha, não vou dizer mais, mas esta noite fiquei com falta da Rosinha frouxa, do nosso mediano arrastar.

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