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domingo, 3 de janeiro de 2010

Atendendo a insistentes pedidos, "Noite" está de volta, reformulado e com mais histórias

INTRODUÇÃO À SEGUNDA VERSÃO

Eu estava há poucos anos trabalhando na "noite", como resolvi chamar minha "profissão", para não ter que a toda hora falar "ramo de bares, restaurantes e casas noturnas como barman, garçom, host, cozinheiro, sushiman, gerente ou sócio" e já imaginava que meu testemunho resultaria num bom livro. Sem contar as histórias que ouvi falar e não poderia reproduzi-las aqui, por não poder prová-las. Algumas até mesmo mais saborosas do que as que eu mesmo vivi.
Eu decidi manter um diário, a partir dos 15 anos, certamente influenciado por alguns livros de memórias juvenis que tive em mãos, especialmente "Feliz Ano Velho", de Marcelo Rubens Paiva, um livro que fica melhor a cada leitura e foi composto por um pirralho tetraplégico no final de sua adolescência, provando a minha tão defendida superioridade da espécie humana frente a qualquer outra deste Universo.
No entanto, a partir do final de 1994, parei de escrever meu diário, por um motivo muito simples: cansaço. Foi exatamente o momento em que comecei a trabalhar na Noite.
Claro que sempre me arrependi por pouco ter escrito, naquela época. Entre 1995 e 1998, vivi alguns dos momentos mais interessantes, que tive que recuperar aqui apenas utilizando a memória, o que é um problema grave, por dois motivos: nossa memória é seletiva e só guarda o que acha mais relevante, o que, não necessariamente, é de fato o mais relevante e o fato de que nosso cérebro, por algum motivo que não lembro agora, cria memórias falsas.
No entanto, manter um diário também possui seus inconvenientes. Talvez exatamente o mesmo inconveniente que as memórias. Enquanto nossas memórias são seletivas e parcialmente fantasiosas, um diário é excessivamente emotivo e tão ou mais seletivo quanto as memórias.
O que, afinal, você tem vontade de registrar, num diário? A impressão que temos de um fato, hoje, será diferente da reflexão futura.
Tenho um exemplo claro e pessoal sobre isto: a partir do final de 1998, voltei a escrever o meu diário. Desta vez, absurdamente detalhado, como se fosse um auto-inquérito, algo que chegou a provocar o escárnio de familiares. Eu passava o dia inteiro com o caderno debaixo do braço, registrando absolutamente todas as minúcias cotidianas. Surpreendi-me, quando redigia "Noite". Decidi aproveitar-me dos diários para me ajudar nas reminiscências e foi um grande susto ao perceber que minhas memórias sobre o período entre 1999 e 2006 eram diferentes daquilo que eu havia registrado nos cadernos. Alguns momentos mais dissonantes do que outros.
Mas, afinal, resolvi escrever minhas memórias sobre a Noite. Achei que o livro seria facilmente publicável. Alguém do ramo chegou a me dizer que as editoras estavam à procura de livros como o meu.
Não obtive sucesso algum. Todas as editoras me rejeitaram, embora, curiosamente, o blog onde postei os capítulos do livro tenha obtido uma boa repercussão. Não apenas entre amigos [alguns deles personagens do livro], como também entre desconhecidos.
Uma certa crise abateu-se sobre mim, algum tempo depois. Arrependi-me por ter escrito este livro. O motivo principal: fiz as pazes com a minha primeira mulher, a quem dilacerei, ao longo do livro. Isso causou um efeito dominó. Ao ver derrubadas as críticas a mãe de minha filha, também me arrependi das injúrias a segunda mulher e a todas as outras namoradas, amantes, casos, trepadas e ficadas. Em seguida, percebi que eu não havia mascarado suficientemente os estabelecimentos, patrões e colegas que descrevi no livro. Muitas pessoas se identificariam e seriam identificadas facilmente, ao longo da narrativa. De que adiantaria eu dizer que trabalhei para um ex-jogador de futebol do Palmeiras que era sócio de um ex-jogador de basquete da Seleção Brasileira, mudando apenas os seus nomes, se todo mundo sabe qual o bar que foi montado por um ex-jogador de futebol do Palmeiras e um ex-jogador de basquete da Seleção Brasileira? A partir deste momento, passei a enchergar milhares de defeitos, espalhados pelos vinte e tantos capítulos.
Deletei o blog e não mais enviei os manuscritos às editoras. Meus leitores protestaram e até hoje, três anos depois, ainda recebo pedidos dos originais.
E, ao verificar o último capítulo, constato que, nos últimos dois anos, muitas coisas novas aconteceram, o que me obrigaria a escrever um ou dois capítulos adicionais, caso o livro viesse a ser publicado.
É o que decido fazer agora. Aproveitarei a ocasião para tentar corrigir as falhas que mantiveram a história longe dos leitores por dois anos. A redação também salvará um de meus grandes prazeres, o de escrever, pois estou tendo, hoje, aos 39 anos, após 26 anos de obsessão literária, que alguns dizem ser uma doença, muita dificuldade com certas narrativas ficcionais, como contos ou romances. Nos últimos tempos, já deletei dois contos que começava a escrever, além de interromper abruptamente, antes de completar vinte páginas, o que deveria ser um romance, transformando-o num conto. Escrever sobre mim mesmo cobrirá este buraco.
Um outro fato curioso ocorreu, se não me engano, no início de 2008: deixei de escrever meu diário. Não sei exatamente o motivo. Simplesmente fiquei de saco cheio. Acho que voltarei a escrever agora, pois, como eu mesmo costumava dizer, meus textos são um documento para o futuro. Eu sei, há um certo pedantismo nesta frase. Vivo achando, egocentricamente como uma criança de dois anos, que sou alguém importante. Pobre coitado de mim. E há outro detalhe: há fatos que não posso expor publicamente, agora. São constrangedores.

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