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sexta-feira, 22 de agosto de 2008

CAMELO LINO - A FRIEZA DO TÉCNICO

"(...) os Ministros tornaram-se exclusivamente "técnicos" (inclusive de propaganda, entregue a agências de marketing), pessoas impolutamente legais, mas eticamente pessoas más, desprovidas de sentimentos de solidariedade e piedade"

Real, M. (2007). A Morte de Portugal (1 ed.). Porto: Campo das Letras, p. 23


Ora aí está! Nada melhor do que recordar uma citação do Miguel Real reproduzida neste blog por mim há meses atrás. Real referia-se nesta passagem à crescente tecnocratização do espírito nacional enquanto processo colonizador da mentalidade portuguesa de hoje. Sem criticar em excesso as virtudes da tecnologia moderna (isso seria estúpido) Real não perde, no entanto, o fio à meada quando correlaciona o estado de espírito subjacente à distância que separa os supostos técnicos da vida real das populações.
Assim, nada melhor do que enquadrar esta problemática nas declarações ontem produzidas pelo Camelo Lino sobre o lamentável acidente com o avião espanhol. Ficamos de facto perplexos sobre a fusão que se nota entre a personalidade do Ministro Camelo e o exercício do cargo que ocupa. A preocupação racionalista em debitar o discurso certo em prol do espirito do cargo que temporariamente encarna. Falou o técnico, obnubilou-se a pessoa. Partindo do princípio de que há pessoa por detrás daquilo.
Há muitos Camelos destes por aí. Seria uma questão de procurar. Recordo-me há anos de uma intervenção de Miguel Sousa Tavares sobre a morte de um militar em serviço (já nao sei onde) e relativamente ao qual a família queria, perante a dor sentida, processar o Estado. Ora Sousa Tavares, tendo razão no raciocínio que fazia, e explicando que o sujeito em questão estava ao serviço da pátria o que por si já incluia os riscos corridos neste tipo de situações, não teve a decência de publicamente e antes de apresentar o frio discurso dar as condolências à família. E no fim também não.
Claro que se pode apresentar as condolências sendo-se um grandecíssimo hipócrita. Isso é o que não falta por aí. Mas não é esta a questão. Todos lidamos muito mal com a morte, que mais não por a desejarmos a muita canalha. O incómodo consiste em detectarmos a presença da pulsão de morte (não queria usar esta expressão, mas tem que ser) e seus derivados em formas aparentemente civilizadas - um discurso oficial, um esquecimento temporário, uma presença excessivamente vincada. E as ausências, como no caso do Camelo Lino, são muito significativas e sintomáticas. Infelizmente fazem parte de um zeitgeist no qual todos, de alguma forma, participamos.

5 commentaires:

metatheorique disse...

Todos lidamos muito mal com a morte, que mais não SEJA por a desejarmos a muita canalha

e-ko disse...

sou ainda mais cruel, não desejo a morte aos canalhas, mas um sofrimento prolongado, muito prolongado... até que percebam o que são!

e, só lido mal com a morte dos outros, com a minha nunca tive problemas, é um dado adquirido!

José Lopes disse...

É mesmo de camelo vir agora tentar justificar a localização do novo aeroporto, com a qual não concordou, usando como pretexto este acidente. A senilidade do quadrúpede incomoda um santo, e eu não o pretendo ser.
Cumps

metatheorique disse...

olá E-ko,
Eu, então, quando me passo é logo tripas p'a fora :)

Agora a sério: curiosa a sua frase, pois coloca de modo inverso o que alguns autores consideram sobre o tema da nossa pretensa imortalidade e o do desejo de morte para os outros. Persinger, em The Neuropsychological Basis for God, refere que algumas pessoas antes de morrerem exclamaram: «afinal sou mortal» (não sei se lhe contaram isto, ou se ele próprio o terá ouviu em segunda mão). De qualquer modo isto está na esteira da tese de Freud quando referiu que "no inconsciente cada um de nós está convencido de sua própria imortalidade" (REFLEXÕES PARA OS TEMPOS DE GUERRA E DE MORTE, 1915). No entanto é preciso algum cuidado para não exagerarmos estes raciocínios que se podem tornar fantasiosos. De qualquer modo, e como percebi que os seus interesses também cobrem a antroposociologia, experimente comparar a situação caricata do Camelo Lino com as monarquias sagradas africanas. Heusch (no caso da Nigéria) e Adler falaram sobre isto. Nestas, o rei sagrado tem uma personalidade institucional (como tal obedece a uma série de rituais que protegem o povo que representa) e outra que se aproxima dos limites da poluição, ou seja, pratica incesto com as irmãs e luta até à morte com os irmãos que disputam o trono aquando da morte do pai. Sendo o incesto o limite de vida das sociedades (repare que aqui aproximamo-nos da morte, também) então o Rei torna-se imortal na medida em que toca a poluição (aqui aproxima-se do sagrado) e dela renasce para a personalidade institucional. Passa a haver, assim, duas personalidades complementares e conflituosas. Agora transporte este modelo, como mero exercício da imaginação, para alguns aspectos patéticos tais como os do Camelo. O Camelo Lino, chamemos-lhe Camelino, ok?, assume aqui a personalidade institucional no exercício da função. Abre a bocarra e debita um discurso racionalista (adequação custos/localização do aeroporto) e vai daí comete um lapso: usa o exemplo da desgraça do avião espanhol e omite a tragédia afectiva inerente à situação. Aqui o Camelino oculta a pretensa morte com a personalidade institucional -o Ministro Camelo. O Técnico Camelino (ver a tese de M. Real) dobrou, enfrentou e venceu a morte antecipando-a através da racionalização do discurso tecnocrático, discurso que ao delimitar a morte a evita estrategicamente no futuro. Na qualidade de técnico, o animal Camelino está automaticamente justificado na medida em que assim representa a solução do desastre para a Nação. Logo, representa a Nação. Devemos recordar aqui que ele é o Engenheiro Verdadeiro ao contrário do "engenhocas falso" - ele próprio referiu que não tirou o curso na Independente. Portanto, o Camelino ocupou o lugar do Mestre (o falso engenhocas) e com a sua magnífica estratégia exemplificada com a desgraça dos outros protege qualificadamente a Nação Tuga de coisa semelhante. Tal como um rei sagrado, através da palavra exorcizou a morte para todo um país.
abraço

metatheorique disse...

Caro Guardião,
Verdade. Nem um santo deve ter paciência para o Camelo.
abraço

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