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terça-feira, 13 de outubro de 2009

Coisas camarárias: a Procissão das Velas de Carne




A velha-nova Câmara Municipal de Lisboa, tem andado a reinstalar os quiosques de outros tempos, estando desta vez as antigas tascas de vinho a martelo, transformadas em bancas de sumos tropicais, capilés, groselhas e cafés à la mode, com bolachinha de chocolate e tudo. São hoje pertença de meninas vagamente bloquistas, platinadas e vestidas de preto. Adoramos tudo quanto seja revivalismo e assim aqui vai uma sugestão para o presidente Costa, que decerto quererá fazer a vontade (e compensar o esforço eleitoral) a tantos e tantos companheiros de luta e de partido.
Os chichis públicos foram desaparecendo, substituídos por "Ó"rinóis mais ou menos marmoreados, de portas serradas e com rufiões-segurança, com ar de chulos de outros tempos. Estamos numa época de todas as invejas e nas minúsculas tolas dos gestores do mobiliário urbano (já que deixaram de poder frequentar os sítios), passou a ideia de ..."querem engatar? Então vão teclar para a net"!. Pobre e desvairada gente, esta de uma Lisboa que já viu melhores dias! Miseráveis, até acabaram com as duas carruagens no metro, que permitiam aqueles apertões e roçansos à hora de ponta. Quantas vezes qualquer Manel sentia, com um misto de temor e prazer, uma habilidosa mão sacar-lhe o equipamento para fora das calças, massajando-o até se abrirem as portas na estação seguinte? Galanços pelos vidros, perseguições nas "cobras" do Marquês, esperas intermináveis "a tirar inexistentes pontos negros do quéque nariz" em frente do espelho nos lavabos das estações... Enfim, outros tempos de liberdade "fássista" plenamente desfrutada por todos, antes da chegada dos pequeno-burgueses PS+PSD, merdosos telemóveis, i-pods, chat-rooms e popós para todos. Bons tempos!

Os "vespasianos" - nome à la parisienne - para os chichis públicos, pululavam por toda a cidade, desde as principais praças às avenidas, cruzamentos e até, em pequenos becos dificilmente descortináveis para os não iniciados na irmandade. Numa época em que a posição de missionário ditava a regra nas relações matrimoniais, os matulões da cidade lá iam aos vespasianos, à cata de uns minutos que em casa lhes eram totalmente interditos pela Zulmira de bata, rolos no caspento cabelo oleoso e buço a despontar. Uns mais velhotes, outros acabados de entrar ou sair da tropa, fedelhagem dos liceus, todos, todos lá iam para o mesmo. Entravam, demoravam, saíam, voltavam a entrar e isto, horas e horas a fio, até doerem os joelhos de tanta "andança" peregrina.
Pois bem, esta pequena estorieta de tempos muito anteriores às saunas onde hoje e inutilmente as bichas se perseguem umas às outras à espera do impossível, foi-me contada por um ainda bem vivo e respeitável antiquário e é tão verídica como o fim das fodas Made in Underground Station. Situa-se mais ou menos entre os anos 50 e a época anterior ao 25 de Abril, embora muita acção tivesse continuado até à chegada da CEE.
Há uns quarenta anos, existia um grupo bastante heterogéneo, composto por rapazes da alta e por outros mais, digamos, ao estilo da linha Poço do Borratém/Madragoa, que várias vezes por semana se organizava para a "Procissão das Velas de Carne". Alguns tipos da zona da Avenida de Roma e das Avenidas Novas, um ou outro que vinha de Cascais acompanhado pelo filho da porteira, encontravam-se no Rossio com o grupo do costume e lá partiam alegremente em direcção ao Campo das Cebolas, onde se iniciava a função. Nas férias tinham o dia todo, uns libertados finalmente das aulas e outros, naquele desemprego conveniente que se transformava aos poucos em profissão, pois quando a noite caía, sempre havia alguém pronto para lhes deixar uns cobres no bolso, podendo assim chegar a casa com ar estafado: ..."Ó mãe, o jantar tá feito? Hoje buli p'a caralho"...!
Pois bem, pelo que me disseram, a táctica era sempre a mesma. Esperava-se cá fora e os amigos lá decidiam consoante as preferências de cada um. Havia quem gostasse de mais novos e outros, de mais velhos. Havia quem se orientasse e outros que faziam o servicinho graciosamente. Uma questão de coordenação que evitava disputas e as invejas daqueles que mais gulosos, achavam que tudo o que vinha à rede era peixe. Assim, pelo Campo das Cebolas lá ficavam, até porque se situava nas imediações da estação fluvial, sempre um bom ponto de passagem dos esfomeados magalas a caminho de Santa Apolónia ou do Alfeite. É que estes combates requerem conhecimentos de estratégia, porque este local, servia também de ambiente aos estivadores e pessoal das alfândegas. Segundo a tradição oral, pessoal não faltava e esquisitices era coisa inexistente. Que diferença destas bichólas de hoje, magricelas, de ombros a dar-a-dar de lado, ao estilo das pinturas tumulares egípcias... Cheias de madeixas, quase inexistentes cús a sair para fora das calças baixadas até meio das pernas, piercings, pulseiras, brinquinhos, tatoos tribais e mariquettes à bandoleira. Que porcaria, que tira-tesões, que bando de paneleironas Chiado acima, Chiado abaixo! Naquela época, onde os jeans pertenciam exclusivamente aos futuro-comunas ricaços da geração Tordo/Louçã/Paulo de Carvalho, um homem que se prezasse, usava calça de fazenda com vinco, meias e camisa branca ou aos quadrados. Não haviam ténis para ninguém, embora às vezes lá aparecesse um benzéssimo aluno do Pedro Nunes, calçado com alpergatas "Sanjo" e prontinho para rechear a rósea e macia protuberância traseira com um um compressor rolo proletário.
Esgotado o filão ou acabada a pachorra, lá seguia a procissão até à próxima paragem, no bem conhecido paradouro do Terreiro do Paço, em subterrâneos dignos de Pompeia, onde tudo era à descarada. Foi aí mesmo que pela primeira vez, vi as coisas como eram. A Lisboa revolucionária, pretensiosamente cheia de "superioridade moral" do PC e de murais do MRPP, em certos aspectos não olhava a distinções de classe social ou de educação. Até gente dos ministérios saía dos escritórios para "apanhar um pouco de ar" e calcorreando a vasta praça, lá ia satisfazer as necessidades mais prementes, mesmo diante do guarda do WC que estando-se cagando para a faina dos outros, lá ia intercalando a leitura do Avante! com a d'A Bola.
A procissão seguia depois pela Rua Augusta e por vezes, dada a lata do grupo, lá havia alguém que despachava nesta ou naquela escada de serviço dos magníficos prédios pombalinos, à altura ainda ocupados totalmente por velhotas de burka negra, "senhores Zés" em camiseta interior, chapéu de feltro e prato do Benfica sobre a telefonia. As escadas eram quase tão seguras como a próxima estação de serviço, a esplendorosa, gloriosa, ampla, malcheirosa e muito concorrida catacumba do Rossio. Ena pá... aquilo é que era e até a turistada de verão logo aprendia a conhecer o sabor lusitano, naquele antro ligeiramente furtivo e sombrio. Ainda me lembro de um autêntico bacanal que lá ocorreu, em plena tarde de campanha eleitoral em 1980, com uns tipos da AD a foder com outros da então FRS (PS mais quistos, ou sejam, a ASDI e a UEDS do Lopes Cardoso). Até havia gente que se revezava na assistência aos fregueses, diante de todos e sem que se escutasse um protesto ou gemido, a não ser o prazer que se adivinha. Às sextas era um fartote, porque chegara o dia de regresso à santa terrinha de tantos e tantos matarruanos que normalmente, acabavam por telefonar para o café lá da aldeia, mandando a sopeira dizer à mãezinha que ..."vamos de manobras este fim de semana", aboletando-se depois em casa de um dos bem-aventurados penitentes. Subindo a Avenida, lá estava um chichi de tantos a tantos metros. No Marquês, idem e assim, subindo o Parque lá se palmilhavam as calçadas a caminho de Campolide, parando também em Sete-Rios, outro centro nevrálgico de esperada actividade(1). Já para o fim da tarde, bem batidos, estourados mas plenamente gratificados, os convivas lá se sentavam um poucochinho no jardim da Luz, porque até ali (percebem porquê?) a coisa funcionava e de que maneira.
Era a procissão das velas de carne do Caeser Vespasiano, aquele grande homem que criou um dos símbolos máximos de uma civilização que hoje parece ter os dias contados.

(1) Já em plenos anos 90, conheci um americano que dava pelo nome de Steve. Tornou-se especialista em mamadas no Cais do Sodré e no Terreiro do Paço, chegando ao ponto de conseguir perto de trinta por dia. Mas isso, fica para outra crónica. Actualmente vive na Índia e imaginem lá o que anda a fazer. Prometo que a estória é fabulosa.

1 commentaires:

Laura Bouche disse...

Pronto, lá caímos na Real :-)

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