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domingo, 5 de outubro de 2008

A República Aristocrática

Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas
Sou, por natureza, profundamente melancólico e introvertido. Como Pessoa diria, vivo com a permanente sensação de ter abdicado de alguma coisa em mim, e a verdade é que abdiquei de muitas, em prol do Direito ao Silêncio e à Solidão. Exemplo disso foi a exposição pública que a E-Ko fez de algumas obras, do tempo em que eu era relativamente ingénuo, e ainda agora me espanta ver, do lado direito deste blogue, aquele caleidoscópio de quadros, e pensar "olha, eu já vi aquilo...", como se não fosse minha a autoria...
Reajo mesmo assim. Venho de uma família de estranhos contornos, onde me apagaram as memórias, pelo que eu não sei quem realmente sou. Aparentemente, isso radicava numa radicalidade que pretendia identificar-se com a Liberdade extrema. Emocionalmente, converteu-se numa espécie de tirania, de que dificilmente me libertarei. É uma casa cheia de fantasmas e segredos, e um Passado inalcançável, à medida que os anos passam e os protagonistas, ou vão enlouquecendo, ou morrendo.
Fui criado num tradição radicalmente republicana, numa espécie de "mea culpa" de ter tido outras origens que não as vulgares. Recebi o nome que recebi, em homenagem ao Príncipe Real, D. Luís Filipe, por causa do safado do meu avô ter estado demasiado próximo daquela coisa feia que foi o Regicídio, e só se livrou do exílio em Timor, porque os seus camaradas Maçónicos e Carbonários terem obrigado a sair de Portugal um dos mais pacifícos e cultos Chefes de Estado que poderíamos ter tido, Manuel, o Segundo.
A República era-me apresentada como uma façanha, e a minha avó, ateia, blasfema e iconoclasta até à quinta casa, exigiu ser enterrada embrulhada na bandeira verde e vermelha do Novo Regime. Pode-se dizer que não, mas essas coisas marcam. Mais tarde, pelo lado paterno, soube que o meu nome tinha sido completamente podado, de modo a deixar o número mínimo de apelidos, para que não houvesse quaisquer veleidades de regressar a um Passado, que era considerado perigoso. O apuro chegou ao facto de que devo ser das poucas pessoas, que conheço, que apenas têm um nome próprio, para que não houvesse quaisquer confusões com a parafrenália de Antónios Marias Josés Filipes de Gonzaga, etc., que marcavam uma certa heráldica do significante. Mais tarde, com o cultivar das minhas coisas, soube que tinha sido vítima de uma "estalinização", e que, mentalmente, deveria ter aceitado envergar o uniforme cinza com que o Camarada Mao, durante décadas, tornou a radiosa China numa coisa sombria.
A verdade é que nunca aceitei, e chega de confissões na primeira pessoa.
Já neste espaço se escreveu, a propósito do 5 de Outubro, que no momento final da agonia do Rotativismo, D. Carlos tinha sido executado, por ter decidido tomar as rédeas do Poder, eventualmente de uma forma despótica. Confesso que ignoro, porque nada me fascina na História de Portugal, desde o momento de Alcácer-Quibir, mas hoje, quase 100 anos decorridos sobre o final de um Regime, a quem devíamos, por duas ou três vezes a Independência, as coisas vão assumindo matizes completamente diversos.
Hoje, em pleno Outubro de 2008, senti-me incomodado pelo degradante espectáculo de uma figura, chamada Aníbal Cavaco Silva, estar a representar o Estado do qual sou natural. Vi uma caricatura, desgastada, fora de moda, pendurada numa balustrada de um Palácio cheio de defeitos arquitectónicos, com umas estatuárias mal enjorcadas, às vezes, nem sequer verticalizadas, e cá em baixo, uma população terrível, sobre a qual o Tempo parecia não ter passado. Deprimente, ainda, um desfile de uma Guarda Nacional Republicana, que parecia ter recuado 100 anos, e identificar-se com as piores caricaturas do Fim da Monarquia.
Num paralelo que me custa imenso assumir, poderia dizer que o "KAOS" faz o mesmo papel de bota-abaixo que Rafael Bordallo Pinheiro fazia nesses tempos, e, para que a parelha não fique incompleta, a quixotesca figura do "ARREBENTA" mais não repete do que os múltiplos discursos cruzados dos grandes satirizadores dessa época. O mal disso é a energia que se perde, a tentar compor uma Realidade, que é insuportável, mas irremediavelmente intransformável, e o próprio Eça evitava passar muito tempo cá dentro.
Mais uma vez, hoje, com o Costa, o Aníbal, a inenarrável Maria, o fraquíssimo Sócrates, tudo parecia apontar para uma rábula do Fim da Monarquia, mas, como se tudo isso precisasse de uma ponto ainda mais baixo, a obra-prima de 5 de Outubro de 2008 foi uma bandeira nacional, feita de "crochet" (!), por uma pretensa artista plástica qualquer, ao nível da sensibilidade artística da Senhora de Cavaco Silva.
Nós não podemos assumir ter chegado a um estado de degradação em que uma comemoração nacional se resume a uma bandeira de "crochet": isso é indigno de um Povo com quase 900 anos de História, e eu, cidadão desse Estado/Nação centenário venho aqui assumir uma primeira forma de indignação e protesto.
Pragmaticamente, o neto da Queda da Monarquia chamou-se Salazar, como os netos do 25 de Abril têm hoje os nomes dos cadastrados mal-assumidos que diariamente nos intoxicam o quotidiano. É verdade que não há retroactivismos que possam assacar responsabilidades aos utópicos fundadores da República, nem aos generosos restituidores da Democracia, mas nada impede que, contas feitas, no final da primeira obra, tenha emergido Salazar, e da segunda, esta miríade de figuras desclassificadas, que poluem o Estado, a Nação e toda a História de Portugal.
Nuns idos de uns tempos passados, numa estância balnear, havia uma certa agitação na família, e é a primeira vez que me lembro de me ter cruzado, olhos nos olhos, com o meu tio-avô, o Conde, de bengala de castão de prata, completamente vestido de negro, que me mediu de alto a baixo, eu, ensimesmado, tímido e melancólico, e proferiu a frase fatal: "Vê-se bem, pela tua falta de humor e esse teu ar sério, que não és um Correia da Costa...", e deu-me uma pancadinha no ombro, e imediatamente me viro as costas. Nunca mais nos cruzámos, até àquelas inconfidências da Tia Judite, a nova, não a velha, que tinha a galeria de óleo de todas as figuras do clã, me ter contado umas quantas linhas da biografia dessa figura distante e mítica, que ainda tinha privado com o Rei e frequentado a Corte de Lisboa, e eu ter reconhecido, ponto atrás de ponto, que eu era, afinal, uma réplica menor da infância e juventude daquele mesmo homem, que, com uma frase, ao mesmo tempo, me ostracizara... e errara, tão profundamente, que gostaria de ressuscitá-lo, hoje, só para podermos repetir esse (des)encontro.
Essas águas são muito mais passadas do que as de Heraclito. A República, quase 100 anos decorridos, não fez mais do que enterrar na armadilha do Rotativismo a única Figura do Estado que lhe estava acima, o Rei. Fui educado para não ser monárquico, e este é o discurso de alguém que foi educado para não ser monárquico. Esses mesmos olhos verificaram hoje que o problema não estava nos Regimes, radicava nos atavismos do Povo, e permitia, hoje, o mesmo nível de sarcasmo de textos e imagens, que têm tornado este espaço, "The Braganza Mothers", ímpar, e fatal.
Aquando das comemorações do Regicídio, e com o paralelo do sucedido no Brasil, onde, com a restauração da Democracia, imediatamente se procedeu a um Plesbicito, onde se perguntava aos Brasileiros se queriam uma República Parlamentar, uma República Presidencialista, ou uma Monarquia Constitucional, e encerrou-se historicamente a questão, aproveitou-se para lançar um mesmo desafio a Mendo de Castro Henriques, que, entre outras figuras do "Somos Portugueses", se tem batido para que, de uma vez por todas, nós, Portugueses afastemos os fantasmas que nos assombram.
Em 2010, comemorar-se-á o Centenário da Queda da Monarquia, e há tempo, mais do que suficiente, para a Democracia Portuguesa dar um sinal da sua maturidade, e atrever-se a fazer aquilo que os Brasileiros, há 20 anos, já fizeram.
Comecei com uma nota pessoal, com uma nota pessoal concluo: a figura do Rei tem algo de irreversível. Politicamente, se me perguntassem pelo que pugno, gostaria de viver, não no país da "Liga dos Últimos", mas numa República Aristocratizada, ou, por que não, numa Monarquia Electiva, como o foi a Polónia, durante muito tempo, ou a República "monarquizada" holandesa. Para isso, seria necessário uma figura superlativa, que pudesse suportar o difícil papel de "estar acima", sem que se sentisse necessidade de alguma vez a pôr em causa, e sem que nos sentíssemos vexados, de cada vez que somos representados, enquanto Estado Antiquíssimo da Europa, por caricaturas como Cavaco Silva e Maria, entre outros..
Separam-me de Mendo de Castro Henriques muitas coisas, uma delas, evidente, que Duarte de Bragança está longe de ser essa figura quimérica. Possivelmente, por razões pessoais, e por ele mesmo, o problema monárquico está definitivamente encerrado, em Portugal. Curiosamente, num destes passados dias de Verão Indiano em que estamos a viver, naqueles meus gestos de segurar automaticamente em portas, dei comigo a ceder passagem a Isabel de Bragança, nascida Herédia, e lá nos cumprimentámos, cortês e naturalmente, como convém a quem recebe certos níveis de educação, só que ela levava, diante de si, não sei se Afonso, se Dinis, nomes cheios de evocações, com um violino enorme na mão.
Dentro de 20 anos, pensei eu, olhando para a criança, alheia a todo o peso de um passado do qual é inocente, pensei eu, um desiludido, talvez alguém possa voltar a discutir esta questão, de um outro modo, com mais pertinência, prestígio e de forma certamente mais digna e desapaixonada.

1 commentaires:

Arrebenta disse...

O texto do Regicídio já foi publicado no "Somos Portugueses", e o Mendo já aceitou o desafio. Só que é um desafio para todos nós

http://asvicentinasdebraganza.blogspot.com/2008/02/in-memoriam-carlos-rei-de-portugal.html

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