Dedicado à Lena, em mais este aniversário (não sei como é que te aguentaste com esses sapatosa noite inteira...)
Estava a tentar lembrar-me da última vez em que teria visto um debate televisivo, e acho que desde o Fim da Política, nunca mais tinha visto nenhum. Fotografei, é certo, umas caras da Carrilha, no tempo em que tentou ir para a Câmara de Lisboa, mas tão-só para depois lhe chapar um texto infame, por debaixo daquele infame carácter.
Ontem, abri uma excepção, e estive a ver a Palin, não vou explicar por quê, porque todos os loucos têm uma fixação, e eu tenho uma fixação na Palin, e quem não gosta, que passe adiante.
A Palin é espantosa. Dizem que Deus não tem rosto e o Fim da Política também não teria, se não tivesse aparecido ela.
De aqui a 500 Anos, quando esta época for tratada com o mesmo nível de complacência e arrepio de escândalo com que nós hoje falamos de Alexandre VI, Bórgia, a Palin surgirá como o rosto maior do tempo em que a Democracia colapsou, como o outro anunciava, no "Cântico para Leibowitz", uma América despedaçada no Ducado de Denver, na Grande Abadia de Boston, ou no Palatinado do Alto Dakota.
A nova Era Glaciária veio, como seria natural, do Alaska.
Ontem, no debate, havia um gajo com vinte anos de atraso, a tentar representar a América da gravata, extinta na Primeira Administração de Bush-Pai, o último grande estadista americano, que se sucedeu ao Derradeiro Desastre da América Grande, o palco do actor de segunda, Reagan, e entremeou com o Primeiro Desastre da América pequena, Bush-filho, e a presente Palin.
Com Palin, voltamos ao Reaganismo das segundas vias: deixou de haver ideias, e passou a haver emoções, esgares teatrais para a câmara e uma profunda sensibilidade das tiradas de café, que na América não são cafés, mas hamburgerias de borda de estrada, com gajos de botas de cow-boy a comentar a mamas da Vice-Presidente, e homens casados completamente desvairados com uma gaja vestida de vermelho, capaz de tornar bravo qualquer touro manso. Os sapatos, sobretudo, hoje publicados numa foto espectacular do "Público", meio número acima, crocodilo do verdadeiro -- e encontrar um crocodilo no Alaska é uma coisa tão rara como encontrar uma ideia em Manuela Ferreira Leite -- davam tesão a qualquer pessoa normal. Aliás, quando se pensa em Alaska, pensa-se num friozinho que corta, e uma casinha muito aquecida, uma cama super grande, com lençóis de cetim, e a Palin lá dentro, nós a chegarmos, como naquelas séries do "Dallas", ela a ler a "Playgirl", e o homem branco, executivo, a despir a camisa, de costas, a mostrar as cuecas Calvin Klein... não..., a série é hetero..., são mais cuecas Armani, o tronco em V, e dizer-lhe "I wanna make love with u...", e depois a luz baixa, e são aquelas célebres cenas do enrolanço ao lusco-fusco, dos filmes americanos de unhas aparadas.
6 meses disto, num interminável Inverno, com as músicas de "Twin Peaks" lá ao fundo.
A mulher é fantástica: incarna tudo aquilo que os Americanos sonham no seu buraco com pernas, o já ter passado a idade dos desmaios, ser premeditada, capaz de os olhar permanentemente nos olhos, provocatória, sempre a insinuar que uma eleição pode corresponder a uma valente foda, super "clean", por contraste com a moderadora, ou lá o que era aquilo, metida num cubículo de ponto de teatro, preta, e vestida como já nem a Dona Arminda das limpezas da pastelaria se veste, a lançar a mensagem subliminar de que havia Duas Américas: a da gaja boazona, bem vestida, Governadora, e a sombra do Monhé, que era a cara da desgraçada, cá em baixo, que ia dando umas pistas para que aquela merda não se afundasse por si mesma. O outro badochas ia falando de números e de parvoíces de votações acontecidas no Triássico, de coisas que já ninguém se lembrava, e triliões, o Americano comum é como eu, sabe lá o que é um trilião, e ela voltava-se impávida, sempre com aquela expressão super firme, olhos na câmara, e despachava umas banalidades ao nível dos 10 anos de idade média mental do Americano comum, e lá foram por ali fora, até que chegaram ao momento moral do casamento de pessoas do mesmo sexo, e a outra soltou a bomba, e disse que não ia mexer em casamento nenhum, porque o casamento era uma estrutura destinada a manter um certo tipo de relacionamento e com uma finalidade muito específica, que não se conciliava com bandos de fufas, em orgias de 10 e 15, ou gajos amarrados em camas de clubes SM, a apanharem choque eléctricos, está-se mesmo a ver um padre a entrar por ali pela porta a perguntar "há aqui alguém que se queira casar?...", e uma voz lá do fundo, "agora, não, que estamos a foder, volte amanhã...", naquele mesmo tom com que despachamos as Testemunhas de Jeová.
Depois falaram de Israel, para lembrar que a América é um "franchising", em ponto grande, das Tribos de Judá, e o extraordinário é que o outro badochas, cujo nome ignoro, sempre que a Sarah Palin olhava de frente para as câmaras, com aquele ar "Dallas", e dizia as banalidades da Rebelo Pinto, o outro badochas ia-se rindo, e dizendo que sim, no fundo, no fundo, aliviado com haver ali alguém que aliviasse os Americanos dos números, e das votações e das parvoíces das políticas externas, que ninguém percebe, e lhes falasse de energia barata, de terras virgens, e de bom gosto no vestir, enfim, um paradigma herdado dos filmes do Período Áureo, e depois passado para as séries televisivas de sucesso do Homem Branco.
Mau, mau, era quando vinha a preta das limpezas lembrar que representava o Monhé dos dentes brancos e o seu eleitorado do Harlém e de Nova Orleães, com o qual ninguém gostaria de se identificar, muito menos os próprios.
Claro que para o "Expresso da Meia Noite" e os comentadores de bancada da Europa anquilosada, ganhou o badochas, e a Palin perdeu, e ninguém reviu ali a maré reaganista, na fase da América terminal.
De aqui, passámos para Las Vegas, onde, sendo o Jogo probído nos "States", é preciso ir, para torrar fortunas, e lembrar que nem tudo são bancos em falência. No fundo, quando entramos nas reservas Apache e Navajo, já que o jogo é proíbido na Terra do Homem Branco, foi lá que instalaram os casinos, ao lado da Droga, do Álcool e da Coca-Cola, para eles estarem entretidos, e não pensarem no declínio das culturas Pré-Colombianas.
Los Angeles tornou-se numa gigantesca Cova da Moura, com putas em todas as esquinas de Beverly Hills, com as grandes mansões da Gloria Swanson e do Marlon Brando em ruínas, e as pegadas da fama cheias de manchas pretas de pastilhas elásticas e seringas atiradas para o chão, a sujarem os nomes de Ford, da Ava e dos primos mais próximos.
Apanhando a Linha Azul, ficamos perto da fronteira do México, e como não há um branco, o Governo é longínquo, e é exercido pelas máfias de Tegucicalpa, o Primeiro Comando de Montezuma, e a Banda do Quetzal, para fazer a alegria das estagiárias do "Correio da Manhã", que descobriram tardiamente as alegrias do malho brasileiro, de cabecinha sempre molhada.
Suponho que depois disto há pouco mais a dizer: há um gigantesco acampamento, pró-ciganão, a céu aberto, que se está suicidar em público, debaixo dos insultos de gajos sem vergonha, como Putin e Chávez, que, há vinte anos, se borrariam de medo, só com a ideia de provocar a Very Powerfull Big Apple.
Em Novembro, nós mergulharemos, a pique, no desastre, e, pensando bem, não sei se, em 2008, já será o primeiro ano em que não haverá Natal.
É só preciso um pouco de paciência, afinal, para quem já esperou tanto, o que são três meses, não é, sim, três meses é muito pouco?...
1 commentaires:
A melhor análise sobre o debate, está aqui tudo dito.
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