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sábado, 3 de abril de 2010

O Aquidabã [steampunk]

11 de junho de 1865, domingo, 4h.
Na Ponte de Comando, ou melhor, passadiço, como se dizia no Brasil, da fragata Amazonas, o Almirante da Marinha Imperial Brasileira Francisco Manuel Barroso da Silva, 60 anos, nascido em Lisboa, Portugal, conferiu as horas em seu relógio de corrente. Pensou: “Onde estará o Comandante Tamandaré?”
Lá fora, o inverno castigava o Rio Paraná com uma intensa névoa que havia chegado com a noite. Ancorados no braço de rio chamado Riachuelo, a Armada Brasileira, chefiada pelo Almirante Barroso, estava em silêncio. Velas arriadas, motores desligados. Todas as luzes apagadas, todos os marinheiros imóveis em seus postos, suportando bravamente a temperatura ínfima, com o auxílio de pesadas vestimentas de lã abrigadas sob seus uniformes imperiais. As turvas águas platinas, naquela província argentina chamada Corrientes, rebentavam em ondas nos flancos dos vasos brasileiros Amazonas, Belmonte, Beberibe, Mearim, Ipiranga, Jequitinhonha, Parnaíba, Iguatemi e Araguari.
O Almirante Barroso sabia, por intermédio de espiões nativos, habitantes do sul do Mato-Grosso cobiçado por Solano Lopez, tão inimigos dos paraguaios quanto os brasileiros, que a esquadra adversária estava entocaiada cerca de doze quilômetros acima, com mais de trinta navios preparados para descer o Paraná e atacar a Esquadra Brasileira, a qualquer momento. No entanto, o Almirante havia recebido mensagem do Comandante-em-Chefe das Forças Navais Brasileiras em Operações no Rio da Prata, Vice-Almirante Joaquim Marques Lisboa, nobiliarquicamente intitulado Visconde de Tamandaré, de que reforçaria a defesa brasileira. No entanto, Tamandaré estava dez horas atrasado. “O que teria acontecido a ele e sua Esquadra?”, pensava o Almirante.
Tamandaré era o maior heroi de guerra do Brasil, desde a Independência, tendo participado de nossos principais combates marítimos, além de operações de salvamento e escolta aos imperadores. Aos 18 anos, o marinheiro já carregava em seus ombros as insígnias de Segundo-Tenente. Somavam-se mais de cinquenta anos de serviços à exuberante Marinha Imperial Brasileira, que o ditador paraguaio Solano Lopez ingenuamente acreditava derrotaria, ao dar os seus primeiros passos para tomar posse do Uruguai e Rio Grande do Sul, levando o Paraguai a tornar-se potência atlântica.
Barão de Tamandaré foi o título conferido ao Vice-Almirante Joaquim Marques Lisboa, em homenagem a seu irmão, Major Manuel Marques de Lisboa, morto durante as guerras da Independência do Brasil, quando protegia o Porto de Tamandaré, em Pernambuco. Em fevereiro de 1865, foi tornado Visconde.
O Almirante Barroso enxergava no Vice-Almirante Tamandaré o próprio deus Netuno. Portanto, não lhe era fácil digerir a ideia o grande marinheiro houvesse tombado, naufragado, morto, perdido-se, aprisionado. Tamandaré era o rei das águas. Barroso ainda acreditava que o Comandante aproximaria-se com sua esquadra a qualquer momento.




5h.
Na escuridão nebulosa, não seria possível ao Almirante Barroso autorizar o acionamento dos boilers, também chamados por alguns marinheiros de fornalhas, através de sinais de bandeiras ou sinais luminosos. Os boilers deveriam permanecer acesos para que os barcos pudessem entrar em ação imediata, caso o Segundo-Tenente Josias Fernandes, postado na proa da fragata Amazonas, percebesse a aproximação da esquadra paraguaia. Absolutamente cego, restava a Fernandes apenas a tarefa de manter os ouvidos bem abertos, aptos a captar o ruído intermitente das rodas dos navios paraguaios. Estabelecido com os comandantes dos outros oito barcos brasileiros, um leve badalo no sino daria a ordem para que os oficiais de máquinas ligassem os boilers.
Os navios brasileiros continham carvão suficiente para uma longa batalha, mas como garantia, os práticos, ajudantes e índios haviam cortado lenha e reservado.
- Campos. Sino. - disse tranquilamente Barroso a seu imediato, Primeiro-Tenente Alfredo Campos.
Este segurou a corda do sino e bateu uma única vez, com um volume suficiente para que os outros navios compreendessem a ordem.
As casas de máquinas agitaram-se. Os práticos e ajudantes introduziram carvão nos boilers e, em poucos minutos, todas as chaminés misturavam os gases das fornalhas com a névoa hibernal.
- Não recuaremos. - comentou Almirante Barroso aos oficiais do convés. - Comandante Mezza atacará com trinta navios, segundo os índios, mas não terão passagem no Riachuelo. Contra-atacaremos em linha, avançando sobre a formação paraguaia.
- Almirante? Quanto ao Comandante Tamandaré? - perguntou Campos.
- Não esperaremos por ele. De acordo com os índios, Mezza está preparado para descer o rio.
Barroso retirou de sua algibeira seu cachimbo e o fumo. Admitia a si próprio sua ansiedade frente à batalha que se seguiria nas próximas horas. Mas isto fazia parte da disciplina militar. O medo leva à cautela. A cautela leva à vitória. Forças Armadas demasiado confiantes e destemidas caem facilmente. Barroso compartilhava do mesmo procedimento de Tamandaré, adepto da “Arte da Guerra”, de Sun-Tzu. Seus marinheiros não estavam famintos, nem exaustos. Estavam motivados e concentrados. Estavam ali para defender o país em que viviam ou para o qual prestavam serviço, enquanto os paraguaios não acreditavam numa guerra de conquista e muitos nem sapatos ganharam.
Em terra, Marquês de Caxias conduzia suas tropas com o mesmo espírito.
Barroso deixou o passadiço e caminhou em direção à proa. Ao perceber a presença do Almirante, o Segundo-Tenente Fernandes cumprimentou-o com um leve aceno de cabeça. Oficiais não batem continência no campo de batalha.
- Não está com frio, está, Fernandes? - perguntou Barroso, colocando o cachimbo na boca.
- Não, senhor.
- Claro que não. Com este pulôver, poderíamos combater na Antártica. Quem o fez? A esposa?
- Minha avó, senhor.
- Muito bem. Sente cheiro de paraguaios, Fernandes?
- Estão logo a frente, senhor.
- Fique atento. Atacarão a qualquer momento. - completou Almirante Barroso, retornando ao passadiço.
A frase, no entanto, não correspondia a seu pensamento: “Estão aguardando pela alvorada. Marinheiros de meia-tijela”. Mas não poderia dizer isto a um subordinado, pois tinha a obrigação de mantê-los alertas.
Ao entrar na ponte de comando, Barroso solicitou ao piloto da fragata Amazonas, Sargento Antônio Teles, que preparasse um novo bule de café. E fervesse um caldeirão a mais de água para o chimarrão dos marinheiros gaúchos.




6h
Já era possível, do passadiço, avistar o Segundo-Tenente Fernandes, em meio à bruma. Os navios brasileiros formavam um conjunto fantasmagórico, enfileirados, numa leve diagonal, para que todos os comandantes pudessem acompanhar as ordens da fragata Amazonas, próximos à margem direita do Riachuelo.
Almirante Barroso acreditava que o ataque paraguaio seria iminente. Ordenou que as âncoras fossem içadas. Já seria possível transmitir a mensagem em código Morse. O imediato Campos acendeu a lanterna e avisou, através de sinais luminosos, de que as âncoras deveriam ser içadas. Os comandantes obedeceram. Para vencer a corrente contrária do Rio Paraná, acionaram as hélices traseiras.
“Tamandaré perderá o melhor da festa”, pensou o Almirante Barroso, com seus olhos fixos à frente. Chamou por Fernandes. Este correu e entrou no passadiço para ouvir suas ordens:
- Fernandes, está bem acordado?
- Sim, meu comandante.
- Suba no mastro e abra bem os olhos.
Segundo-tenente Fernandes subiu ao observatório do mastro principal da fragata Amazonas e posicionou a luneta junto ao olho esquerdo.




07h
A alvorada hibernal numa latitude austral é tardia. Para piorar a visão, a névoa cobria cada centímetro da província de Corrientes, mas agora a fumaça estava alaranjada.
Almirante Barroso ordenou que seu imediato chamasse os índios. Primeiro-Tenente Campos foi à amurada boreste, ou seja, à direita da fragata e piscou sua lanterna em direção à margem, onde o cacique Kokoschka e seus guerreiros também estavam à espera dos paraguaios. Barroso imaginava se, durante o combate, Kokoschka desferiria flechas contra os marinheiros paraguaios. Se fizessem isto, Mezza dispararia seus canhões em direção a eles, que não teriam chance alguma de sobrevivência. Mas índios em guerra não recuam jamais. O Imperador tentou recrutar os nativos como soldados e marinheiros, mas estes decidiram lutar da maneira tradicional, como seus ancestrais faziam há milhares de anos.
Restou a D. Pedro II solicitar aos senhores de escravos que enviassem seus homens para a Guerra. Os escravos afro-descendentes revelaram-se os verdadeiros herois da Infantaria Brasileira, mas nenhum deles levaria crédito pela vitória. Os seus senhores seriam condecorados e até mesmo seus filhos, inclusive aqueles que não saíram debaixo da cama, durante a guerra.
Uma canoa aproximou-se com dois nativos. Campos, que conhecia o tupi-guarani com muita fluência, como a maioria dos marinheiros brasileiros, pediu aos fortes homens pintados e armados para a luta, que espionassem uma vez mais os paraguaios, a fim soubessem o porquê de não terem atacado até aquele momento. Os índios acataram o pedido.
Almirante Barroso pensava: “O atraso será prejudicial aos marinheiros amadores do Paraguai. Nós podemos ficar de pé, sem pestanejar, por cem horas”.
Uma missão indígena foi enviada para a tocaia paraguaia, rio acima. Velozes e silenciosos como onças, os cinco índios, em poucos minutos, chegaram à base paraguaia, onde perceberam que um grande navio estava sendo rebocado, deixando a vante da Esquadra. Eles conheciam aquele navio.
Correram de volta e contaram aos canoeiros, que remaram para o Amazonas e transferiram o testemunho ao Imediato Campos.
Ao ouvir a informação, Barroso deduziu:
- Pela descrição dos índios, é o Marquês de Olinda a ser rebocado para retaguarda. Eu quero o navio brasileiro inteiro. Vamos recuperá-lo.
O Imediato transmitiu as ordens de Barroso, através de Código Morse, com sua lanterna, aos outros comandantes brasileiros.
Solano Lopez havia mandado o primeiro navio brasileiro tomado pelos paraguaios para a frente de combate. Era ousadia demais. “Lopez é louco”, pensou. No entanto, o Marquês de Olinda deveria ter apresentado alguma falha, pois estava sendo removido da vanguarda. Por isto, o atraso de Mezza.




8h
A neblina dissipava-se. Já era possível avistar pontos azuis no céu. O Sol avançava por trás da província de Corrientes, à boreste da Esquadra Brasileira.
Do alto do mastro, Segundo-Tenente Josias Fernandes gritou:
- Esquadra inimiga à vista!
Os marinheiros brasileiros perderam imediatamente qualquer vestígio de sono, fome, cansaço ou medo.
A vasta frota paraguaia foi avistada aproximando-se, a todo vapor e com as velas arriadas, enfrentando o vento de bombordo.
Barroso chamou o bandeirista, Sargento Tobias de Souza Lima e lhe contou a mensagem que queria transmitida aos navios brasileiros.
Lima subiu com suas bandeiras ao alto do mastro e anunciou:
- O Brasil espera que cada um cumpra o seu dever.
Comandante Tales de Miranda, no passadiço da canhoneira Belmonte, ordenou:
- A todo vapor!
Belmonte ultrapassou a Amazonas. Almirante Barroso viu a canhoneira avançar a toda velocidade, cuspindo fumaça para o céu, com seus canhões e metralhadoras apontados para a canhoneira Paraguary, descendo o rio em igual velocidade.
“Afunde-os, Miranda, afunde-os!”, pensou Barroso, mordendo seu cachimbo.
Os marinheiros a bordo da Belmonte olhavam fixos para a canhoneira inimiga, que abriu fogo.




09h




O próprio Almirante Barroso teve que admitir o afobamento da Belmonte. Havia um número muito maior de barcos paraguaios do que brasileiros. Belmonte foi afundada pelos canhões de três navios.
O plano original brasileiro, no entanto, foi mantido. Os navios de guerra de Barroso foram alinhados no Riachuelo e responderam ao ataque inimigo.
Uma parte dos navios paraguaios avançaram pelo outro lado da ilha Palomera, que dividia o Rio Paraná.
Almirante Barroso deu ordens, sempre através de bandeiras, para que Iguatemi e Araguari protegessem a retaguarda brasileira.
Alguns minutos depois, um estrondo diferente chegou aos ouvidos de Barroso. Do passadiço, ele viu a Jequitinhonha encalhando na embocadura do Riachuelo.
- Garcindo pensa que está em alto-mar! - protestou Barroso.
De fato, o Rio Paraná era raso em suas margens. Os marinheiros brasileiros já haviam verificado isto, mas a precipitação da nossa Esquadra estava ultrapassando os limites.
Navios paraguaios cercaram o Jequitinhonha como formigas cercam um torrão de açúcar. Para bordo, soldados paraguaios pularam com suas armas e iniciaram combate corpo a corpo com os marujos da Jequitinhonha.
A fragata Parnaíba, recheada de soldados brasileiros, argentinos e uruguaios e alguns europeus a serviço do Brasil, foi ao socorro de Jequitinhonha.




10h
Retomada a respiração e o controle bélico dos oficiais sobreviventes do couraçado Jequitinhonha, Barroso sorriu ao perceber que, apesar de violentamente assaltados pelos paraguaios, os canhões de Jequitinhonha afundaram o Paraguary, obrigando seus tripulantes a pular no rio e nadar para as margens, em busca de abrigo. Mas aqueles que chegavam à margem de Corrientes eram recepcionados pelos nativos brasileiros.
Por outro lado, as canhoneiras Iguatemi e Araguari tentavam barrar o encurralamento paraguaio com seus canhões de popa.
Almirante Barroso preocupou-se, enfim: "Iguatemi e Araguari segurarão o ataque de retaguarda por quanto tempo?”
Os canhões de popa dos navios de guerra brasileiros mantinham fogo cerrado contra os paraguaios, que também lançavam suas balas, tentando afundar nossos marítimos.
Quantos canhões atiravam ao mesmo tempo, naquele momento? Mais de quinhentos, acompanhados de milhares de metralhadoras, sem contar com os rifles dos soldados de ambos os lados. Ninguém poderia ouvir a própria voz. Também viam-se flechas sobrevoando o Riachuelo, algumas derrubando os inimigos com grande precisão. No entanto, como Barroso havia previsto, uma canhoneira paraguaia, a última da linha inimiga, disparava seus canhões, mandando o barro e a vegetação da unidade de combate nativa para os ares, ferindo muitos de nossos bravos aliados.




11h
A fragata Amazonas tornou-se alvo.
Almirante Barroso foi atingido por uma bala de metralhadora no ombro esquerdo e caiu.
Nada mais havia a ser feito.
Barroso conseguiu levantar-se e segurou a corda da buzina. Daria início ao toque de rendição.
Neste momento, porém, ouviu uma rajada de balas de calibre muito mais grosso do que o usado pelas duas esquadras. “Tamandaré!”, deduziu.
Olhou para a popa da Amazonas e não entendeu o que viu.
Um gigantesco Leviatã prateado, muito brilhante, com a proa introduzida na água e uma amurada tão alta que não se podia ver o passadiço.
O navio era maior do que os oito vasos brasileiros juntos.
- Que coisa é esta? - impressionou-se o Almirante.
Havia três fileiras de canhões e duas de metralhadoras que avançavam por escotilhas no próprio casco do impressionante navio.
Não havia velas nem chaminé. Seria movido com qual tipo de propulsão?
Como aquele monstro não encalhou no Rio Paraná?
As balas paraguaias nem sequer feriam a blindagem do navio.
Neste mesmo instante, Almirante Barroso ouviu alguém gritando: “Vento de popa! Vento de popa!”
O próprio Barroso colocou a cabeça para fora do passadiço e gritou:
- Içar velas!
Enquanto o gigante prateado passava pela fragata Amazonas, levantando uma vaga no rio que quase a afundou, os navios de guerra brasileiros que ainda estavam inteiros içaram suas velas e partiram em direção à frota paraguaia ainda não atingida pelas dezenas de canhões e metralhadoras do monstro.
Uma forte luz, também pronunciada do interior da amurada boreste do gigante, piscou, significando: “Barroso, desculpe pelo atraso, tive problemas. Tamandaré”.
Barroso deitou no chão do passadiço, aliviado. “Termine o trabalho, meu amigo!”, disse, preocupando-se agora apenas com sua ferida.
Tamandaré, com sua máquina corpulenta e inexplicável, avançou como um carro celestial descrito pelo profeta Ezequiel. Com a diferença de que não havia descido do céu, mas aproximado-se pela água.
Os canhões de Tamandaré estavam mirados nas máquinas e mastros dos barcos inimigos. Era uma tática moderna, contrária a de costume. Até então, guerrear era matar os soldados inimigos e tomar suas armas. A partir de agora, a ordem seria destruir as armas e poupar as vidas adversárias.
Uma luz oriunda do tombadilho, ou o que deveria ser o tombadilho do navio misterioso, anunciou: “Almirante, limpe o rio. Vamos recapturar o Marquês de Olinda. Submarino Aquidabã”.
- Submarino Aquidabã? Foi isso mesmo o que eu entendi? - perguntou o piloto da Amazonas, Sargento Teles.
- Acho que sim. - respondeu Barroso, completando. - Teles, o senhor ouviu a ordem do Comandante Tamandaré. Mãos firmes neste timão. Vamos afogar estes paraguaios.
Barroso colocou a cabeça para fora mais uma vez e gritou para o bandeirista, que impressionantemente ainda estava no alto do mastro, intacto, mas com os olhos arregalados:
- Tobias! Sustentar o fogo! A vitória é nossa!
Sargento Tobias pegou suas bandeiras e passou a chacoalhá-las freneticamente, com os dentes cerrados, como se a ordem para os navios brasileiros fosse de sua própria autoria.
O vento de popa estava absolutamente providencial, como se integrante do grupo militar aliado.
Os navios de guerra Amazonas, Ipiranga e Beberibe, os únicos ainda em condições de combate, triplicaram sua velocidade e avançaram em direção ao inimigo.
- Vamos bater, Almirante! - avisou o piloto, com suas mãos firmes na roda do leme.
- Eu sei. - respondeu Barroso, sem desviar os olhos de uma canhoneira inimiga.
- Almirante? - questionou o Sargento.
- Passe por cima, Teles.
- Sim, senhor!
O aço da proa da fragata Amazonas afundou um, dois, três navios paraguaios, enquanto Ipiranga e Beberibe faziam o mesmo.




12h
Almirante Barroso buzinou forte várias vezes, solicitando que a esquadra cessasse o fogo.
- Teles, faça o retorno à bombordo. - ordenou Barroso.
Teles girou todo o timão para a esquerda.
Madeira em chamas por todo o lado. Destroços flutuando em toda a parte. Marinheiros e infantes nadando em direção às margens.
Em meio à fumaça, retorna triunfante a fragata Amazonas, com Almirante Barroso ereto sobre a proa, contemplando a vitória aliada.
Ouviu-se, a partir de então, vivas e buzinas, comemorando o fim da Batalha Naval de Riachuelo.




13h
O Leviatã do Comandante Tamandaré retornou, enfim, rebocando o Marquês de Olinda. Seus marinheiros vinham sobre o que poderia ser considerado o convés.
O tal Submarino Aquidabã emparelhou com a fragata Amazonas e uma escada metálica foi baixada sobre o barco.
Comandante Tamandaré surgiu no alto da escada.
- Suba a bordo, Almirante. - pediu.
Barroso, mesmo com o braço esquerdo imobilizado por culpa da ferida, já medicada, subiu os degraus da escada.
Ao chegar no convés, os oficiais e marinheiros bateram continência para o Almirante, que retribuiu.
Em seguida, foi cumprimentado por Tamandaré. Este prestou condolências aos homens que Barroso havia perdido, devido a seu atraso, justificando-se:
- O boiler original fundiu-se, tivemos que substituir pelo reserva. - explicou Tamandaré.
- Está dizendo que está máquina sobre a qual estamos é movida a vapor? - intrigou-se Barroso. - E onde estão os fumos?
- São usados para expelir as balas. Não usamos pólvora.
- Como isto é possível?
- Almirante, aceite meu convite para conhecer o interior do Submarino Aquidabã. Vou lhe mostrar como funciona.
Barroso e Tamandaré desceram, acompanhados por outros oficiais.
Após detalhar as instalações e equipamentos do Aquidabã, Tamandaré convidou Barroso a almoçar.
Na mesa privativa de Tamandaré, Barroso enfim resolveu fazer a pergunta que há muito lhe atormentava.
- Comandante, qual o valor de uma embarcação deste tipo?
- Almirante, garanto-lhe que não faço a menor ideia. - respondeu Tamandaré enquanto introduzia a ponta do guardanapo sob a gola. - É um presente dos britânicos.
- Um presente da Rainha ao Imperador?
- Acho que sim. O que sei é que, de acordo com o Imperador, a Rainha Vitória condicionou a doação do Aquidabã ao meu comando.
- Ninguém mais além do Comandante Tamandaré para chefiar uma embarcação fenomenal como esta. Além da gratidão que os britânicos tem para com o senhor. Mas eu gostaria de fazer uma pergunta a mais, se não pareço inconveniente.
- Ora, Barroso!
- Por que chama este navio de submarino?
- Aguarde, Comandante. Verá com seus próprios olhos.




14h
Almirante Barroso despediu-se de Tamandaré e retornou a sua fragata. Ele e os outros marinheiros brasileiros e aliados descobriram o porquê de o Aquidabã ser chamado “submarino”.
O monstro de aço mergulhou deliberadamente a proa no rio, deixando apenas o terço superior fora d'água. Quinhentos metros à frente, quando o Rio Paraná tornava-se fundo o suficiente, todo o Aquidabã adentrou as águas platinas, deixando apenas um rastro líquido para trás.
Os marítimos permaneceram olhando para o rio, estupefatos.




Nem o Vice-Almirante Tamandaré nem o Almirante Barroso tinham ideia de que a vitória no Riachuelo seria o início da derrota de Solano Lopez, que, no entanto, jamais se renderia, mesmo após o Paraguai ter sido tomado pelos brasileiros, com o apoio de argentinos e uruguaios.
Solano Lopez foi morto em 01 de março de 1870.
Os soldados brasileiros eufóricos foram acusados de massacrar a população civil, após a morte do ditador.
O Paraguai, outrora a pérola da América do Sul, quase desapareceu do mapa.
Quanto ao Aquidabã, nunca mais entrou em combate. Comandante Tamandaré e sua tripulação foram encontrados à deriva, em botes salva-vidas, três meses depois da Batalha de Riachuelo.
O comando naval foi entregue ao Almirante Joaquim José Inácio, Visconde de Inhaúma.
Tamandaré, fiel à família imperial brasileira, deixou a Marinha quando proclamada a República. Estava com 82 anos. Em seu testamento, recusou qualquer tipo de honraria militar em seu funeral, ocorrido em 20 de março de 1897.
Quanto ao heroico Almirante Francisco Manuel Barroso da Silva, ganhou o título de Barão do Amazonas, em 1866. Continuou em combate até o fim da guerra.
Em 08 de agosto de 1882, Barroso deixou o porto de Montevidéu para mais uma missão de busca dos restos do Submarino Aquidabã. Nunca mais a fragata Amazonas, Almirante Barroso e seus 300 tripulantes foram vistos.
O Aquidabã ainda repousa em algum lugar no fundo da foz do Rio da Prata.




fim

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