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segunda-feira, 10 de maio de 2010

Krobe

I

Dalbrus Pernek era o maior caçador de nazistas tcheco.
Toda sua família havia sido morta em campos de concentração tchecos ou em Auschwitz, na Polônia e ele sobreviveu escondendo-se em esgotos e florestas.
Quando a Segunda Guerra Mundial acabou, em 1945, estava com doze anos.
Jurou que encontraria todos os oficiais foragidos dos campos de concentração de seu país.
Cumpriu sua promessa até 1957, quando no mural de seu escritório em Praga, sobrou apenas uma foto: a do Sargento Wilhelm Krobe.
Nascido em Munique, Krobe foi transferido para a ex-República Tcheca, anexada por Adolf Hitler, após ser ferido em combate na França. E essa era a única pista: manco da perna direita, caminhava apoiado numa bengala. Em 1945, estava com 25 anos. Não era dos nazistas mais violentos. Mas o que se sabia a seu respeito era que havia mandado matar ou ele mesmo fora o agente da morte de Benjamim Zalinski, pai de sua própria amante [ou escrava sexual] judia, Rachel Zalinski.
Krobe manteve Rachel como amante por dois anos. Ele a conheceu com catorze anos e até seus dezesseis, ela usou os serviços sexuais prestados ao nazista para obter comida e remédios a sua família. Não se sabia o porquê de Krobe decidir matar o pai dela. Era um fato nebuloso.
Com os tios [porque sua mãe morrera de tifo, como muitos prisioneiros, já que a tetraciclina mal havia sido inventada], Rachel foi morar no Brasil, em São Paulo. Lá, sua família montou um armarinho, no bairro do Bom Retiro. Não se casou. Não teve namorado. Enojava-se com a idéia de estar junto com um homem.
Será que Krobe procuraria Rachel um dia? Ela e seus tios já estavam avisados. Pernek viajou ao Brasil e entregou uma foto de Krobe ao tio de Rachel, Abraham Zalinski. Se tivesse a mínima suspeita da presença de Krobe, deveriam entrar imediatamente em contato com Praga ou Tel Aviv. Os israelenses tinham uma corda esperando por Wilhelm Krobe.

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Mas o telefonema que Pernek recebeu do Brasil não era dos Zalinski. Era o telefonema de um engenheiro judeu alemão que morava em Joinville, colônia alemã no sul do país.
Klauss Spielmann, 60 anos, sobrevivente de Auschwitz, colecionava livros, revistas e jornais sobre o Holocausto. Tinha numa pasta as fotos de nazistas não encontrados e sabia que muitos deles poderiam ter vindo para o Brasil, incluindo o pior deles, o sádico médico de Auschwitz Joseph Mengele. Joinville era a maior cidade de Santa Catarina, essencialmente constituída por descendentes de imigrantes alemães, apesar do nome francês. Não seria difícil imaginar que foragidos nazistas poderiam facialmente se misturar à população local. Spielmann era funcionário do governo do Estado.
- Senhor Pernek?
- Pronto.
- Estou falando de Joinville, no Brasil. Foi difícil falar com o senhor.
- Posso ajudá-lo?
- Soube que está procurando o Sargento Krobe. Eu acho que ele era meu vizinho.

No dia seguinte, Perneck e sua equipe chegaram à cidade.
A descrição dos vizinhos conferia. Casado, dois filhos. Vivia recluso. Não tinha amigos. Era mecânico. Foi embora de Joinville após perceber que seu novo vizinho judeu o havia reconhecido.
Perneck vasculhou a casa de Krobe mas não achou nenhuma pista. O caçador de nazistas estava feliz e entusiasmado. Era 1960. Sua busca teria um fim em breve.
Para onde Krobe teria ido? Teria mudado de cidade? De Estado? De país? Uma grande coincidência: Krobe e Rachel emigraram para o mesmo lugar: o Brasil. Seus tios foram os primeiros a ser avisados. Rachel adoeceu.
Deitado na cama de seu quarto, num hotel em Joinville, Pernek pensava: Krobe estaria com 40 anos. Onde havia aprendido a consertar automóveis? Quem seria sua esposa? Como seria o relacionamento com os filhos? Eles saberiam que o pai era um criminoso nazista? Pernek soube em Joinville que Krobe usava outro nome: Georg Shroeder. Mudaria outra vez de nome?
Mais um ano se passou e não foi encontrada nenhuma outra pista de Krobe.
Tudo o que Pernek não queria aconteceu: a imprensa brasileira descobriu o caso. Jornais e revistas publicaram as fotos e os perfis de Krobe, Rachel Zalinski e Pernek. Agora o nazista saberia que um eficiente caçador estava a sua espreita e desapareceria para sempre.
Uma semana depois, Pernek leu, num jornal de Florianópolis, sobre a morte cruel de um deficiente que morava numa praia distante na capital de Santa Catarina. Era um rapaz afro-descendente que não tinha os braços nem as pernas e segundo testemunhas, gostava de provocar um alemão que quase o havia atropelado. O alemão o havia xingado e desde então, toda vez que se encontravam, o deficiente o xingava de “alemão nojento”, entre outros nomes.
Sua casa foi incendiada com o rapaz amarrado na cama.
Imediatamente, Pernek foi à tal praia, mas a descrição era diferente. O alemão, embora tivesse dois filhos, não mancava e tinha os cabelos negros e criava porcos. Porém, após as reportagens e o assassinato, também havia desaparecido.
Krobe estava muito próximo de Pernek, mas havia escapado, o que deixava o tcheco revoltado. Pernek estava certo que era ele. Havia aprendido a andar sem bengala e pintava os cabelos, óbvio.
Duas semanas depois, novo telefonema, também em alemão.
- Senhor Baldrus Pernek? Tenho motivos para acreditar que Wilhem Krobe está em Sidney, na Austrália.
Foi dada uma minuciosa descrição de Krobe.
- Quem está falando? – perguntou Pernek.
- Não quero me envolver. Sou um marinheiro e vi Krobe em Sidney.
- Qual o seu interesse?
- Sou judeu.
- Judeu alemão?
- Sim.
- Qual o seu nome?
- Já disse: não quero me envolver. Pegue Krobe, Pernek. Por favor.
No dia seguinte, o caçador de nazistas viajou para Sidney.

1964.
Um cartão e um buquê de flores deslocaram um exército para São Paulo.
Rachel Zalinski havia recebido um cartão, escrito em alemão: “Se ainda me ama, coloque essas flores na janela”.
Sua casa, no dia seguinte, foi invadida por agentes israelenses. O nome da agência israelense de espionagem e contra-terrorismo era Mossad, cujo nome significava “Instituto para Inteligência e Operações Especiais”. Em 1960, eles haviam seqüestrado na Argentina e levado secretamente para Israel o criminoso nazista Adolf Eichmann, onde foi enforcado.
- Marque um encontro com Krobe, Rachel. Vamos prendê-lo.
Rachel colocou as flores na janela da loja.
No dia seguinte, novo cartão, entregue por um mensageiro.
“Encontre-me no Parque da Luz, amanhã, às 9 horas. Por favor, não leve os agentes israelenses que foram a sua casa, ontem”.
- Vamos observá-lo de longe. Prenderemos Krobe quando ele sair do parque.
Desde as seis da manhã, 150 agentes estavam nas imediações do Parque da Luz. Era domingo. O próprio parque ficaria lotado.
Muito nervosa, Rachel começou a andar pelo parque, às 9h10m. Saiu de sua casa às 9h, caminhou pela Rua José Paulino [nome em homenagem a um dos mais importantes empresários republicanos paulistas do século 19] e chegou ao Parque, dez minutos depois.
Às 9h15m, ela recebeu um bilhete de um garoto.
“Você me traiu. Há mais de cem agentes disfarçados por aqui. Você não me ama. Era tudo o eu queria saber”.
Os israelenses vasculharam toda a região e não encontraram vestígios de Krobe. Baldrus Pernek sentiu-se desafiado. “É muito astuto este nazista. Vamos ver quem é mais, ele ou eu”, pensou.

No dia 07 de novembro de 1965, Wilhem foi preso na frente da casa de Rachel. Ela sabia que ele voltaria. Quando o viu com um carrinho de sorvete, na frente de sua casa, foi até lá.
- Quero um sorvete de morango.
Enquanto ele a servia, ouviu a pergunta:
- Eu sempre quis saber: você matou meu pai?
- Desculpe-me?
- Eu sei quem você é, Sargento Krobe. Você matou meu pai?
Ele levantou a cabeça. Após vinte anos, os olhos azuis de Krobe encontraram os olhos azuis de Rachel.
- Espero que não. Eu jamais feriria alguém de sua família. Se matei seu pai, foi por engano ou acidente. Mas, sinceramente, não me lembro.
Nesse momento, quatro automóveis cercaram o carrinho de sorvete e doze homens agarraram Krobe.
- Wilhem Krobe? Você é o Sargento Wilhem Krobe?
Os transeuntes espantaram-se com aquelas pessoas gritando em alemão. Pessoas saíram às janelas de suas casas e portas de lojas.
Krobe permaneceu em silêncio. Decidiram colocá-lo num dos carros, mas Krobe ainda teve tempo de dizer:
- Eu amava você, Rachel. Eu queria dizer isto olhando nos seus olhos.
Krobe resistia a entrar no carro, pois ainda queria dizer:
- E você, Rachel? Você me amava também ou estava apenas se prostituindo?
Rachel nada falou. Só o observou sendo levado.
De dentro do carro, olhando para trás, Krobe gritava:
- Responda, Rachel! Responda, Rachel!
Os tios de Rachel correram para abraçá-la. O carro dobrou a esquina e desapareceu.
Rachel Zalinski não tinha como responder. Ela não sabia a resposta.
Porém, agora sentia-se livre.

II

O campo de concentração onde Krobe estava lotado seria invadido em questão de horas. A cidade estava sitiada pelos soviéticos. Krobe não queria morrer nem ser preso. Simplesmente vestiu roupas civis, encheu os bolsos de ouro e jóias roubados dos prisioneiros e saiu caminhando pelo campo.
Seu último ato, antes de partir, foi despedir-se de Rachel.
Ela estava deitada na cama dele, em seu apartamento. Krobe abaixou-se e beijou sua testa.
Ele não imaginava o quanto sentiria falta dela e o quanto gostaria de dizer a ela que não havia assassinado seu pai. O problema é que não tinha certeza do fato.
Até chegar a Munique, Krobe não viu grandes dificuldades. Era auxiliado pela própria população, a quem oferecia ouro e jóias.
Sua avó sugeriu que ele fugisse para a América do Sul. Os governantes estavam protegendo os criminosos nazistas, em troca de dinheiro.
Krobe pegou um trem e foi para o porto de Roterdã, na Holanda. Lá, embarcou num navio brasileiro, onde também deixou ouro e jóias.
Tudo isso já havia sido organizado por Himmler, em 1944, ao criar uma rota de fuga para os nazistas, dando origem a uma organização secreta chamada Odessa [Organização dos Membros da SS, em alemão], cuja sede era na Argentina.
Krobe sabia que nunca mais voltaria à Europa.
Quando chegou ao porto de Santos, disse seu novo nome, inventado no navio: Georg Schroeder. No lugar de documentos, entregou 100 gramas de ouro ao agente da alfândega, que também trabalhava para a Odessa. Trabalho que lhe deixou rico.
Krobe hospedou-se numa pensão indicada pelo aduaneiro.
Pela manhã, recebeu a visita de outro alemão.
- Tenho como lhe dar outra identidade. Tenho amigos no governo brasileiro.
E assim, Krobe tornou-se, oficialmente, Georg Schroeder.
- Preciso de um emprego também. – pediu Krobe ao alemão.
O ex-sargento nazista chegou na cidade de São Paulo e foi ao endereço indicado, próximo da Estação da Luz. Uma simples oficina mecânica. O dono da oficina era um italiano, que não lhe fez perguntas.
Em um ano, Krobe havia se tornado expert em mecânica de automóveis. Mas não conseguia se acostumar ao convívio de italianos e negros. Sem falar que o Brasil era uma das maiores colônias judaicas do mundo. Já no navio de Pedro Álvares Cabral veio um judeu, Gaspar da Gama. Depois, outros judeus fugiram das perseguições na Espanha e Portugal. Em 1810, mais judeus chegaram ao Rio de Janeiro. Depois, judeus marroquinos foram para a Amazônia.
Com o fim da segunda guerra mundial, o Brasil passou a receber judeus do leste europeu [asquenazin, como os Zalinski] e também os sefaradin, da Espanha.
O bairro do Bom Retiro, nas imediações da oficina do italiano, tinha milhares de judeus asquenazin, que haviam ocupado o bairro no início do século 20 e que agora estavam recebendo exilados do mesmo grupo. Mais cedo ou mais tarde, algum judeu acabaria lhe reconhecendo, pois fotografias de foragidos nazistas estavam sendo espalhadas pelo mundo e disseminadas entre comunidades judaicas, como a grande comunidade paulistana.
Krobe soube então de um Estado ao sul do Brasil onde a presença de imigrantes alemães era predominante: Santa Catarina.
Na primeira cidade onde o navio parou, decidiu ficar: Itapoá. De lá, alugou um barco e, algumas horas depois, chegou em Joinville, a maior cidade do estado, que embora tivesse nome francês, era formada por descendentes de alemães.
Krobe sentiu-se em casa. Lá, casou-se e teve dois filhos, José e João. Sua esposa se chamava Karen, também alemã.
Ele não contou à família que era um nazista foragido. Para eles, Georg Schroeder era simplesmente um mecânico alemão.

1960.
A casa à frente da sua foi comprada por uma família de judeus. E o pior: Krobe já os tinha visto na República Tcheca, pois seu campo de Concentração, Terezín [chamado pelos alemães de Teresienstadt] costumava servir como estação de passagem de prisioneiros para Auschwitz. O nazista se lembrava daquele engenheiro e sua família. Krobe os havia colocado no trem para o campo de extermínio polonês, onde ele achava que seriam mortos. Mas sobreviveram e agora era seus vizinhos.
O que aqueles judeus estavam fazendo ali? Krobe descobriu que haviam sido convidados pelo governador de Santa Catarina para trabalhar no setor de obras viárias de Joinville e região.
“E tinha que vir justo um diabo de um judeu que passou em Terezín?”, pensava Krobe.
O encontro entre os dois deu-se num domingo à noite. Krobe estava sentado, distraidamente, à frente de sua casa, tomando cerveja. O judeu chegou e quando abriu o portão, viu Krobe. Olharam-se por quase um minuto, desafiadoramente.

- Amanhã, vamos embora – avisou Krobe à esposa e filhos.
- Por quê? – perguntaram.
- Vamos viver melhor em outro lugar. Recebi uma boa oferta de trabalho.
Krobe vendeu a oficina e a casa e sacou todo seu dinheiro do banco.
Deixaram os móveis. Levaram, por ordem de Krobe, apenas objetos pessoais e objetos de valor, como jóias e alguma arte.
O próprio Krobe não sabia para onde iriam. Tentaria Florianópolis, capital do Estado. Seria talvez um bom lugar para viver.
E foi mesmo.
Krobe decidiu criar porcos, pois sabia que a chance de encontrar clientes judeus seria mínima ou nula, pois os judeus não comem carne de porco.
Anos depois, sentia-se feliz e tranqüilo. Uma ótima família. Uma bela e dedicada esposa. Filhos inteligentes e saudáveis. Seu negócio, muito próspero. Tornou-se um homem rico. Fez um tratamento fisioterápico para abandonar a bengala e passou a andar normalmente. Deixou o cabelo e a barba crescerem.
Sua paz só foi abalada por um quase atropelamento. Seu Chevrolet quase passou por cima de um deficiente. Um rapaz negro que não tinha braços nem pernas.
- Saia da rua, deficiente imundo! – gritou Krobe.
- Vá tomar no..., nazista!
- Você me chamou do quê?
Krobe desceu do carro e chutou o rapaz, que continuou xingando:
- Nazista filho da...!
Todas as vezes em que Krobe cruzava com o deficiente, este o xingava.
Krobe não agüentou mais e falou a ele:
- Você vai se arrepender depois, preto aleijado!
- Vai tomar no..., nazista filho da...!

Quem lhe mostrou a revista foi sua mulher, com lágrimas nos olhos.
- Por que você não me contou? – ela perguntou.
- Porque é passado. Um passado que não interessa.
- Claro que interessa. Se você for pego, o que vai acontecer?
- Serei enforcado, em Israel.
Ele a abraçou e ela chorou.
- Vamos fugir de novo. – decidiu Krobe.
Enquanto Karen preparava as malas, Krobe tinha uma última tarefa.
Seguiu o deficiente e descobriu que ele morava num casebre numa praia distante.
O rapaz dormiu e acordou alguns minutos depois, amarrado na cama, sendo observado por Krobe.
- Que bom que acordou para ver sua morte.
Krobe colocou uma fita adesiva em sua boca. Em seguida, despejou gasolina no casebre todo, inclusive sobre o coitado, amarrado na cama. Sadicamente, Krobe derramou as últimas gotas sobre o rosto do rapaz e jogou o galão num canto. E sob o olhar apavorado e dolorido do rapaz, acendeu um fósforo e jogou no chão.
Krobe afastou-se em direção a seu carro, mas parou e olhou para trás, contemplando prazeirosamente seu ato.

Dois dias depois, a família chegou a Santos. Foram no próprio Chevrolet de Krobe, que procurou o mesmo alemão que o havia ajudado, alguns anos antes. Este agora estava velho, numa cadeira de rodas, mas sóbrio.
- O que você quer?
- Pode enviar minha mulher e meus filhos para um lugar seguro, com outros documentos?
- Quanto você tem?
- Quanto você precisar. Cinquenta mil dólares são suficientes?
- Acho que sim.
Com documentos oficiais conseguidos no consulado dos EUA, em São Paulo, Karen, José e João embarcaram para o Canadá, onde tomaram outro navio em direção a Chicago para ser acolhidos por uma família de alemães, também serviçais da Odessa.
O nazista precisava tirar Pernek do Brasil, antes de esconder-se novamente. Teve uma idéia ousada. Telefonou para ele, em Florianópolis [o nome do hotel onde Pernek estava hospedado foi publicado na reportagem] e fingiu ser um judeu que havia visto o Sargento Willhem Krobe na Austrália. Deu certo. Pernek foi embora do Brasil.

Krobe decidiu fugir para a Argentina. Mas antes, queria ver Rachel Zalinski de perto. Ela estava no Brasil, informava a revista. Se Krobe soubesse, teria lhe visitado antes.
Krobe sentiu pena dela. 31 anos, magra, feia. Que teria acontecido a ela?
Não ficou muito tempo observando-a. Alugou um avião no aeroporto Campo de Marte e foi embora para a Argentina. Deu um dinheiro a mais ao piloto para que ele não contasse nada a ninguém.
Krobe ficou seis meses na Argentina, vivendo em reclusão, pulando de cidade em cidade. Com seus documentos de cidadão americano, foi embora para Chicago, onde reencontrou sua família.

Seu novo nome agora era Johann Klauss. Talvez ele nunca fosse descoberto.
Mas Krobe foi vítima de uma obsessão: Rachel Zalinski.
Havia mantido essa obsessão sob controle por quase vinte anos. Krobe queria ao menos conversar com ela e fazer algumas perguntas. Queria dizer a ela que se matou seu pai, foi por engano. Não conseguia mais viver com essa dor.

Em 31 de março de 1964, houve um golpe militar de direita no Brasil, com apoio dos Estados Unidos.
Já que os comunistas, como o tcheco Dalbrus Pernek, ficariam longe do Brasil, imaginava Krobe, este sentiu-se empolgado a voltar ao país e tentar conversar com Rachel.
Em Chicago, Krobe tornou-se investidor. Aliás, Joe Klauss, como o chamavam. Foi a desculpa que deu à mulher para viajar.
Para circular perto da loja de Rachel sem despertar suspeitas, comprou um carrinho de sorvete, uma nova febre no Brasil. “Lá vem o Alemão”, diziam as crianças, dias depois que Krobe começara a transitar regularmente pela região. Era outono, mas fazia calor durante o dia, em São Paulo.
“Que dia Rachel virá tomar sorvete?”, pensava Krobe.
No décimo sétimo dia, ela se aproximou.
“Até que enfim”, pensou Krobe. “Assim que ela pedir sorvete, vou dizer quem sou”.
- Um sorvete de morango, por favor.
Ele deu a ela, com a mão trêmula.
- Obrigada. – respondeu Rachel, pagando.
- Eu que agradeço. – disse Krobe.
Ela foi embora.
- Meu Deus, não consegui falar... E agora? – disse para si mesmo, em voz baixa.
Foi a uma floricultura e mandou um buquê de flores a Rachel, com aquele bilhete.
Incrível! Ela colocou o vaso na janela! Seria uma armação?
De longe, Krobe viu a casa de Rachel invadida por homens usando óculos escuros.
Enviou outro bilhete, marcando encontro no Parque da Luz.
De dentro de um táxi, Krobe viu a movimentação dos agentes disfarçados. Vendedores de balões, eletricistas, etc. Era uma estratégia para pegá-lo, de fato! Chamou um garoto e deu a ele umas moedas para entregar um bilhete a Rachel.
Voltou aos Estados Unidos.

Agora, toda a imprensa mundial havia divulgado a notícia. O criminoso nazista Wilhem Krobe havia escapado dos israelenses mais uma vez. Entre seus crimes divulgados, o do assassinato de Benjamim Zalinski.
- Rachel sempre vai me odiar por isto – pensava.

Em novembro de 1965, Krobe decidiu falar com Rachel, custasse o que custasse. Mesmo que fosse preso. Tentaria não ser preso, mas falaria com Rachel.
Usou o mesmo expediente do carrinho de sorvete.
Rachel era 24 horas por dia monitorada por agentes israelenses, acompanhados dos militares brasileiros, que avisaram aos israelenses que eles não poderiam agir como na Argentina, simplesmente seqüestrando um criminoso. No Brasil, o nazista deveria passar por um processo de extradição.
Os agentes do Mossad estavam desconfiados que o vendedor de sorvetes poderia ser Wilhem Krobe. Não o deixariam escapar dessa vez. Era uma questão de honra. Foi o que aconteceu, quando Rachel aproximou-se do falso sorveteiro e o chamou de “Sargento Krobe”.

Krobe foi levado à Polícia Federal do Brasil, onde aguardou o processo de extradição. Lá, recebeu a visita dos filhos. José, o mais velho, perguntou:
- Pai, você é um criminoso nazista?
- Sou. Perdoem-me. Apesar do que fiz, no passado, eu amo vocês. Vocês me perdoam?
- Sim. – respondeu José.
- Não temos nada a lhe perdoar. – disse João. – Você não fez nada contra nós.
- Digam à mamãe que eu a amo e espero vê-la, em breve.
Em janeiro de 1966, Krobe foi extraditado para Israel. Confessou todos os crimes, menos o assassinato de Benjamim Zalinski. Ouviu o testemunho de todos os sobreviventes.
Foi condenado à morte em agosto do mesmo ano.
Enfim pôde receber a visita de sua esposa, com quem passou as últimas noites. Na noite anterior, também chegaram seus filhos.

Às sete horas da manhã, Krobe foi levado ao cadafalco. No momento em que a corda foi colocada em seu pescoço, lembrou-se.
Fora, de fato, ele quem havia matado Benjamim Zalinski. E matou mesmo sabendo que era o pai de Rachel. Havia atirado em sua cabeça por puro e inexplicável prazer. Os nazistas tinham uma fantasia de poder sobrenatural, sentiam-se como deuses sádicos.
“Não... eu não mereço viver”, foi seu último pensamento, antes do alçapão ser aberto e Krobe morrer asfixiado pela corda.
A esposa e filhos do Sargento Wilhem Krobe conseguiram provar que não tinham conhecimento das atividades passadas do nazista, muito menos sabiam que ele não se chamava Georg Schroeder.

Rachel Zalinski, em 1970, no balneário do Guarujá, conheceu um advogado italiano chamado Giuseppe Tomasi, que passava férias no Brasil. Apaixonaram-se e casaram-se no ano seguinte. Mas não tiveram filhos.

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