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quinta-feira, 26 de novembro de 2009

No mês da morte de Mário Cesariny de Vasconcellos, um mesmo texto de epitáfio, porta de eternidade








Morreu este mês há três anos, mas isso é puramente emocional, porque definitivamente entrou naquela faixa da Eternidade, onde o Tempo já parou.


Este texto, cujas muitas voltas o levaram à edição na Suíça, é, evidentemente, dedicado ao João, que, comigo, então o concebeu, "un cadavre-exquis", numa noite de sombras e álcool a rasgar os tectos, defronte de uma janela alta, com um bosque vastíssimo, pela nossa frente, os meus lugares secretos. E é sobretudo dedicado ao Mário, o maior, de um tempo de infindáveis figuras rastejantes.


Que pena nunca se terem lembrado de ti para o "Nobèle", mas não eras cómodo, sabias escrever, coisa imperdoável, e REALMENTE estavas vivo, o que é, de facto, gravíssimo, neste miserável tempo que nós atravessamos.














Luto Directo, nos Quatro Elementos: a Terra e a Água e o Fogo e o Ar











“Cadavre Exquis”, in memoriam Mário Cesariny de Vasconcellos














No Princípio, era um osso calcinado, mas calcinado em branco, de todas as voragens dos séculos das dunas, e das superfícies extremadas, e impossíveis, do polimento dos sóis desérticos, e de todo o espelho ardente do Astro, totalmente abismado de Luz. E era então a Idade do Crómio, com um frágil deambulador lançado pelas encostas semicerradas de olhos, e afogado na impossibilidade das sensações do Reflexo, todo, e do Esplendor. E este foi o Primeiro Momento.

O segundo sortilégio era uma Falsidade: o seu Nome escondia-se por detrás de uma Fachada-Legião, a ordenar os muitos volúveis rostos do Mar, e nas ondas, e nas areias, e nas divindades ctónicas das pequenas coisas, e nos deuses minúsculos, e também nos que comandavam a Matéria inteira e o Sonho extenso. E um corpo nu, pela Aurora, a desafiar a roda inexorável do Tempo. E este foi o Segundo Momento.
Embriagado de pólen, o besouro metálico ainda ignorava tal destino. E assim cumpriria, antecipado, o ingrato fado do seu próprio fado: meia estação, no seio de um mel amargo, e o ano de trevas da Metamorfose, e os dois curtos êxtases do instante da Procriação, e, logo após, o silêncio do Fim, de novo, e indolor. Pouco tempo, o seu, e sem sequer chegar a conhecer os pausados sabores do Outono. Pois ele jamais saberia que o Amor não passava de uma melancólica preparação para a Morte.

E este foi o Terceiro Momento, mas era ainda o tempo do Mar, e da Luz e da Areia. Era a tarantela mágica, no calor da palha, a emudecer a roda dos receios. Cor contra cor, tarde demais, o escaravelho distinguiria as falsas preces do entorpecer. Sonolento e plácido, ele apenas sonhava com um vago equador de sensações, a brisa solar do meio-dia, e os infindáveis pólenes, cálidos e afrodisíacos, da sua breve deriva estival. Asa de fogo, a tarde cobre-o então. E é então que, hipnótico, o Entardecer também tacteia, e o recomeça a enredar.

Por um momento, a Atmosfera assim irá antecipar, nesse triângulo extremado de luz, todos os matizes do Poente, pois o seu corpo não passa agora de um lugar confuso de esplendores, e dos confusos rumores das sombras, e dos infindáveis jogos irisados do Crepúsculo, fundidos nos clarões rasos de uma tarde devastada.
A Aranha então avança, e já o pólen é negro e a penumbra das pétalas, e, quando o abraço nele esboça, é no conturbado instante, onde se franqueia a linha turva, para lá da qual se semeiam só Silêncio e Medo. Não a chegará a ver, pois é tarde, e já o estreita, num súbito convulsionar. Em vão se debaterá, enquanto, férrea, lhe procura as juntas da couraça, para injectar um mortal veneno.

Como numa cama apressadamente revolta, também a corola se encontra agora desfeita. A luz decai e a dança cessa. Mineral, a tarde inteira avança. E também o besouro se torna ali de pedra, e a Aranha inicia o seu brutal repasto.

Pelas frestas das portadas, eis que surge agora o doce encanto. E este é o Quarto Instante. E eu reconheço a radiante face, que ora se ergue altiva, sobre um negro manto. É a soberana candeia nocturna, a Deusa, que rompe o breu e o silêncio, no seu cúmplice cumprimentar prateado. Ora anseia o fechar do Ciclo, em que desvelará todo o seu esplendor.
Convida-me, Esbat, para a tua Grande Reunião. Sob o olhar atento da Venerável, as crias perscrutam aqui, nas trevas, e correm ao encontro da Progenitora, anfitriã da celebração inteira, e eternizam o selvático êxtase, no momento da devota comunhão.

Eis o astro marginal, minha mãe e amante, sedutora confidente, conselheira indulgente, que me ilumina a Escuridão. E a Lua, no oxímoro da sua esfera escura, recomeça então a erguer-se ao fundo, como outra forma ardente dos astros.




Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas


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